Exceção

A exposição “Exceção” aconteceu entre os dias 10 e 21 de setembro de 2018 no Espaço Cultural Casa do Lago, na Universidade Estadual de Campinas. Montada por uma duração de apenas 11 dias, foi como um relampejar no momento de perigo. O Brasil preparava-se para eleições em clima de tensão social, com a ascensão de uma extrema-direita abertamente violenta e que trazia à tona o lado mais sombrio do passado recente. “No fundo do poço, há o porão”, escrevia um articulista1, a propósito dos vínculos com a tortura que ostentava o candidato liderando então as pesquisas de intenção de voto – isto é, após a prisão espetaculosa e juridicamente inconsistente (para dizer o mínimo) do ex-presidente trabalhista, Luís Inácio Lula da Silva. Um jornal falaria de “tribunais de exceção”, referindo-se à prisão que abrira o caminho para a vitória eleitoral da extrema-direita, muitos insistindo na ausência de normalidade democrática desde a derrubada de Dilma Roussef, dois anos antes. A histeria popular que acompanhava a ascensão eleitoral da extrema-direita era pautada por discursos de ódio, pela misoginia e a homofobia explícitas, e pela reivindicação de uma lógica punitiva. A própria Universidade, enquanto instituição, viu-se alvo de ameaças e cerceamentos.

Foi nesse contexto, quando se defendiam ditadores e torturadores, em que se falava em golpe e em tribunais de exceção, que pareceu-nos urgente usar a arte para intervir no debate e ampliar os horizontes críticos. Era necessário revisitar o embate de nossos artistas com a ditadura civil-militar de 1964–1986, que era agora despudoramente reivindicada. Mas era necessário também demonstrar que a exceção não se resume a golpes de Estado ou a defesas abertas de regimes repressivos. Que a democracia também opera pela exceção para manter desigualdades estruturais. E que a instabilidade política atual havia se anunciado anos antes, com as movimentações de 2013, ainda pouco compreendidas, e que a própria esquerda no poder tentara sufocar.

No momento em que montávamos nossa exposição, abria-se a 33ª Bienal de Arte de São Paulo. Para a decepção geral, a mostra optou por ignorar o contexto político em sua proposta curatorial. Em compensação, apareceram muitas exposições em diferentes cidades que tentaram, cada uma a seu modo, confrontar os problemas na ordem do dia. Na verdade, muitos dos artistas presentes na Casa do Lago estavam concomitantemente presentes em outras exposições. O Barril de Carmela Gross tinha seu par original, o Presunto, exposto na Pinacoteca de São Paulo, na mostra “Mulheres radicais”. O vídeo de Jaime Lauriano, “O Brasil”, integrava também a mostra “Estado(s) de emergência”, de temática análoga à nossa, do Paço das Artes da USP. Graziela Kunsch participava da exposição “Arte Democracia Utopia – Quem não luta tá morto” no MAR -RJ. E enquanto mostrávamos as gravuras de Claudio Tozzi, seu monumental painel, Guevara vivo ou morto, era exposto no Instituto Tomie Ohtake, primeira reaparição pública da obra desde que fora depredada e confiscada no Salão de Arte de Brasília de 1967. A exposição “AI-5 50 anos – Ainda não terminou de acabar”, sem dúvida a de mais intensa pesquisa histórica dentre as em cartaz naquele momento, foi a que melhor conseguiu afrontar a relação com o passado ditatorial. Enquanto as demais abriam espaço sobretudo para o posicionamento de artistas contemporâneos. Nossa pequena exposição foi um esforço de trazer essas duas dimensões para dentro da Universidade, em uma região carente de mostras de arte. Mas foi também uma tentativa de mostrar outras linhas de reflexão, menos evidentes, que ajudam a compreender a complexidade dos processos em jogo.

Gabriel Zacarias
Campinas, Maio de 2019.

  • CARMELA GROSS
  • CLAUDIO TOZZI
  • DORA LONGO BAHIA
  • FABIO MORAIS
  • GRAZIELA KUNSCH
  • IGOR VIDOR
  • JAIME LAURIANO
  • MAURICIO FRIDMAN
  • MAURICIO NOGUEIRA LIMA

O discurso do triunfo da globalização neoliberal na década de 1990 valia-se da constatação de que os regimes ditatoriais tinham chegado ao fi m e de que a democracia havia se tornado a forma política predominante na maior parte do globo. Mas os acontecimentos do início do milênio — repressão aos movimentos altermundialistas, ataques terroristas e novas invasões militares norte-americanas no Oriente Médio — evidenciaram o caráter ideológico dessa narrativa. A conformação da ordem neoliberal em nosso século tem se servido de modo cada vez maior de dispositivos de exceção normativa que revelam as limitações concretas das democracias formalmente existentes.

No caso brasileiro, assistimos à realização de megaeventos esportivos ser acompanhada da ocupação militar de favelas, da repressão de manifestações e da subsequente desestabilização da ordem política. Desestabilização, aliás, que afetou diretamente o campo da arte, acossado hoje por formas indiretas de censura.

Nessa exposição abordamos as contradições entre democracia e exceção no Brasil, tanto retomando obras de artistas que denunciaram o regime militar, quanto apresentando obras que interrogam os acontecimentos dos últimos cinco anos. A exposição divide-se em três núcleos:

  1. Exceção militar
  2. Exceção renovada
  3. Exceção estrutural.

Exposição

Curadoria: Gabriel Zacarias
Produção: Ana Carolina Vigorito
Montagem: Silvio de Camillis Borges e Daniel Zagatti
Apoio operacional: Altamiro José da Silva
Projeto Gráfico: Natan Ferreira
Colaboração: Marcos Pedro Rosa
Agradecimentos: Alexandre Medeiros, Stela Politano, Galeria Leme, Galeria Vermelho, Instituto Maurício Nogueira Lima, Equipe Casa do Lago.

Catálogo

Organização: Gabriel Zacarias
Projeto Gráfico: Natan Ferreira
Fotografias: Antonio Scarpinetti

Exceção Militar

Barril

Carmela Gross

Retrato

Claudio Tozzi

Multidão

Cláudio Tozzi

Multidão

Cláudio Tozzi

Sem título

Maurício Nogueira Lima

Sem título

Claudio Tozzi

Guevara Vivo ou Morto

Cláudio Tozzi

O Brasil

Jaime Lauriano

Exceção renovada

Black bloc

Dora Longo Bahia

Arte a serviço do povo

Dora Longo Bahia

[Estudo Quadro | Violência]

Maurício Nogueira Lima

Sem título

Maurício Friedman

Cargo e patente (vândalo)

Fábio Morais

Exceção estrututal

Sem título (O racismo é estrutural)

Graziela Kunsch

Por que o senhor atirou em mim?

Fabio Morais

Caixa de brinquedo – 9mm

Igor Vidor

Figurantes

Carmela Gross

Figurantes

Carmela Gross

Expografia